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domingo, 17 de junho de 2007

Pinku Eiga: o cinema e a sexualidade japonesa

Apesar de não serem respeitados pela crítica cinematográfica japonesa, os filmes do gênero conhecido como Pinku Eiga são um fenômeno único, que nos últimos anos se converteu em objeto de fascínio para os cinéfilos interessados em se distanciar do convencional, em todo o mundo.
O termo "Pinku Eiga" significa "filme cor-de-rosa" e no Japão, como no Ocidente, essa cor é associada às mulheres. Mas no caso em questão ela é usada não como forma de designar filmes leves e românticos, "para mulheres", mas sim filmes "sobre mulheres", dirigidos a um público masculino ávido por sexo e violência.
O Pinku Eiga é um subgênero cinematográfico desenvolvido sob medida para se enquadrar aos tabus sexuais do Japão, uma peça que se encaixa de maneira perfeita no espaço que separa o proibido e o permitido. Não se trata de pornografia: todas as relações sexuais registradas pela câmera são simuladas, e não é permitido exibir a região genital ou os pêlos púbicos dos atores e atrizes, de acordo com as normas do Eirin, o peculiar código de censura que vigora no Japão.
A fim de evitar descuidos, os realizadores se valem do maebari, um objetivo de forma triangular confeccionado com fita adesiva da cor da pele, que as atrizes empregam para cobrir a região pública. Também são utilizadas trucagens, quase ilusões de óptica, por meio das quais os diretores experientes conseguem focalizar uma axila não depilada em um ângulo tão específico que parece quase mostrar aquilo que o código proíbe, mas sem fazê-lo de fato.
De toda forma, é importante sinalizar que o código de censura muitas vezes demonstra mais flexibilidade com relação às grandes produções do que quanto aos filmes independentes de baixo orçamento. Em termos gerais, as grandes produções conseguem permissão até para filmar nus frontais, se são capazes de utilizar bem as "intenções artísticas" como desculpa.
Outra importante característica dos Pinku Eiga é o suporte. Eles usualmente são filmados em 35mm, e raramente têm mais de uma hora de duração. Os títulos estréiam em um circuito de salas de exibição especiais para esse tipo de material. As diferenças com relação à indústria norte-americana da pornografia são notáveis, nesse sentido, já que nos Estados Unidos, desde o princípio dos anos 80, os filmes pornôs pesados terminaram relegados ao uso doméstico (primeiro ao vídeo e depois ao DVD, além de sua forma de circulação preferencial no momento, a Web).
Existem discrepâncias quanto à data em que o gênero teria surgido, mas muitos apontam "Hakujitsumu" ("Sonhando Acordado"), de1964, baseado em romance de Jinichiro Tanizaki e dirigido por Tetsuji Takechi, um dos pais do Pinku Eiga, como o filme fundador do gênero. Outra produção considerada essencial é Nikutai No Ichiba ("Mercado de Carne"), de Satoru Kobayashi, diretor que realizou mais de 400 filmes. Dos aproximadamente 50 minutos do primeiro filme do gênero, restam apenas os 20 iniciais, disponíveis no Centro Nacional de Cinema de Tóquio. O restante do trabalho foi censurado.
O termo Pinku Eiga foi cunhado pelo crítico Minoru Murai, em 1963, e com o tempo de popularizou na Europa graças à atenção que os festivais de cinema dedicaram a esse tipo de filme. Os Pinku Eiga de Koji Wakamatsui, por exemplo, receberam reconhecimento devido ao seu conteúdo político radical.
Ainda hoje, o gênero continua a servir como escola para os jovens realizadores japoneses. Diretores celebrados internacionalmente como Kiyoshi Kurosawa, Hideo Nakata, Yojiro Takita e Masayuki Suo iniciaram suas carreiras no mundo do Pinku Eiga.
Com relação à cota de agressividade que todo Pinku Eiga oferece - em intensidade que varia de acordo com o critério de cada diretor -, é importante destacar que o nível de tolerância da sociedade japonesa quanto à violência visual excede amplamente os parâmetros ocidentais. Basta comparar os filmes de animação concebidos para crianças de um e de outro lado do mundo para comprovar o fato.
As cenas de violação são muito freqüentes nos Pinku Eiga, e de alguma maneira se tornaram o símbolo mais representativo dessa categoria de filme.
Os principais protestos de grupos religiosos quanto a esse gênero de cinema, dentro e fora do Japão, se relacionam a esse tipo de característica; os filmes são criticados por sua misoginia desavergonhada; pelo fato de as mulheres quase sempre exercerem papéis submissos; pela degradação e humilhação que elas sofrem em múltiplas formas.
Mesmo assim, assistir a cenas de violação altamente realistas não parece acarretar problemas para as pessoas que estão acostumadas a consumir esse tipo de filme. Os Pinku Eiga são considerados como entretenimento válido por muitos homens jovens, que consomem esse tipo de produção sem questionar se a apreciação dessas formas de violência seria ou não indicador de alguma forma de psicopatologia.
A existência de uma série de filmes chamada "Rapeman", cujo argumento gira em torno de uma organização que vende serviços de estupro como forma de vingança, por exemplo, seria impensável fora do Japão; mas nessa subcategoria específica, que sempre tem a agressão sexual como núcleo da trama, não existem preconceitos a respeito.
São muito comuns as histórias nas quais as mulheres, depois de passar por uma violação, sofrem um despertar selvagem da sexualidade, como se tivessem sido contagiadas pela perversão do agressor. Elas levavam vidas tranqüilas antes do estupro, mas depois terminam por se transformar em insaciáveis ninfomaníacas ou se apaixonam pelo homem que praticou os abusos contra elas.
Muitos dos filmes tomam por base conceitos exclusivos da cultura japonesa, que necessitam esclarecimento prévio se um espectador estrangeiro deseja compreender o real significado da trama. Termos como "burusera", que designa uma forma de comércio que envolve a compra de roupas íntimas de alunas de segundo grau, algumas até com certificados de autenticidade, ou iampu, prostitutas cuja especialidade é permitir que os executivos liberem o estresse acumulado, são apenas uma amostra de que a sexualidade nipônica é um complexo labirinto com regras que só fazem sentido na sociedade japonesa.
O pesquisador norte-americano Thomas Weisser, que dedicou boa parte de sua vida ao estudo do fenômeno,não hesita em afirmar que os Pinku Eiga são possivelmente uma das mais valiosas contribuições japonesas ao cinema mundial, além de uma ferramenta de valor incalculável para que possamos nos aproximar de, e compreender, o funcionamento de uma sociedade que muitas vezes se nos apresenta como indecifrável.

Mariano González Achi _ Sábado, 16 de junho de 2007

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1683610-EI6791,00.html

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